sábado, 7 de novembro de 2009

INTERVENÇÃO NA DISLEXIA



O diagnóstico psicopedagógico é um corte que permite observar a dinâmica da modalidade de aprendizagem, sabendo-se que esta tem uma história, que vai sendo construída pelo sujeito em interação com o grupo familiar de acordo com suas experiências e de como elas foram interpretadas por ele e seus pais. ( Comunicação apresentada no 2º Simpósio Internacional sobre Dislexia - SP, maio de 1998 )
Para poder situar as possibilidades de intervenção psicopedagógica em indivíduos disléxicos, primeiramente necessito falar um pouco sobre a Psicopedagogia e seus referenciais teóricos.
Esta é uma atividade transdisciplinar, que construiu seus postulados a partir de conhecimentos advindos de diversas áreas, dentre as quais pode-se destacar a Pedagogia e a Psicologia. Entretanto, não fica restrita apenas a região de intersecção entre ambas, mas inaugura um novo pensar a respeito do desenvolvimento humano e da estrutura do sujeito que ensina e aprende.
Neste sentido, a Psicopedagogia é um salto adiante na busca de soluções para problemas antigos, é um novo paradigma surgido neste final de século, buscando integrar o homem à sociedade por meio de suas possibilidades de aprender.
O processo de aprendizagem é o objeto de seu estudo. Não apenas a aprendizagem no âmbito da escola , mas qualquer forma do sujeito aprender , pois identifica os processos cognitivos aos processos vitais.
Voltada para seu próprio objeto, a Psicopedagogia só pode se perguntar , pois a pergunta está na base de toda aprendizagem, que se inaugura como curiosidade. Ela o faz a partir de 3 instâncias:

1- o desconhecimento - ninguém conhece tudo. Temos que lidar sempre com o desconhecido, com o novo, com o que ainda não conhecemos.

2- o conhecimento - aquisição progressiva e fundamental para a "humanização "

3- o desejo de conhecer - energia que nos impele em direção ao conhecimento.

Em relação aos sujeitos para os quais dirige sua atuação, a Psicopedagogia continua inquirindo :

• que ele não conhece e está fazendo falta em sua vida ?

• Por que não conhece ?

• O que ele conhece e como fez para conhecer ? Como utiliza o que conhece ?

• Que relação esse sujeito tem com o conhecimento ?

• Como está seu desejo de conhecer ?

• O conhecimento é instigante ? Aguça-lhe a curiosidade ? Ou é significado como algo inatingível, temido, assustador ?

A Psicopedagogia se volta para o sujeito aprendente, assim como a Psicanálise para o suje
ito desejante e a Epistemologia genética para o sujeito cognoscente.
O sujeito aprendente da Psicopedagogia é constituído a partir do organismo biológico, articulado com a inteligência e o desejo. Da relação entre essas três estruturas se constrói um corpo apto ou não para aprender. De acordo com Alícia Fernandez, ser aprendente é...
"Situar-se na articulação entre a informação, o conhecimento e o saber";
Constituir-se na dialética de ...
"Fundar-se no campo do desejo do Outro e ser autor não autônomo de sua própria história;ser sujeito do desejo do Outro e ser autor de sua própria história";
Situar-se entre ...
"A responsabilidade que o conhecer exige e a energia desejante que surge do desconhecer insistente"; Entre "a certeza e a dúvida"; "o brincar e o trabalhar";
Esta autora também desenvolve um conceito muito importante para a Psicopedagogia, o de modalidade de aprendizagem.
" é uma maneira pessoal para aproximar-se do conhecimento e para conformar seu saber. É construída desde o nascimento a partir das relações familiares e funciona como uma matriz, um molde, um esquema de operar que o sujeito utiliza nas diferentes situações de aprendizagem durante sua vida."
O diagnóstico psicopedagógico é um corte que permite observar a dinâmica da modalidade de aprendizagem, sabendo-se que esta tem uma história, que vai sendo construída pelo sujeito em interação com o grupo familiar de acordo com suas experiências e de como elas foram interpretadas por ele e seus pais.
A intervenção psicopedagógica, por sua vez, visa abrir espaços objetivos e subjetivos, onde a autoria de pensamento seja possível, ou seja, onde possa surgir um sujeito capaz de aprender.
Desta maneira, a Psicopedagogia olha para o sujeito em sua individualidade mas o vê integrado nos grupos a que pertence ( familiar, social, escolar etc... ) e busca encontrar sua peculiaridade como aprendente, ou seja, a modalidade de aprendizagem que lhe é própria. O que lhe interessa são as diferenças que possibilitam compreender o indivíduo como único, apesar dele estar inserido num determinado tipo de modalidade de aprendizagem.
Quais seriam, entâo, as possibilidades de intervenção psicopedagógica com indivíduos disléxicos ? Pode a Psicopedagogia intervir nestes casos ? Como o psicopedagogo atua em casos de dislexia ?
Em primeiro lugar, o olhar sobre a dislexia, sob o ponto de vista da Psicopedagogia, é peculiar . Não interessa ao trabalho psicopedagógico as características que os disléxicos têm em comum. Não se olha para a dislexia como um rótulo.
O olhar e a escuta psicopedagógica é dirigida para o sujeito e sua história de trocas, dificuldades de leitura / escrita, no contexto de sua modalidade de aprendizagem.

As perguntas que o psicopedagogo deve fazer a si próprio diante de uma queixa deste tipo são :

___ Em que esse menino ou essa menina é diferente dos outros disléxicos ? Para situá-los como sujeitos e não como síndrome.

___ Em que esse menino, ou essa menina é diferente dos outros meninos e meninas ? Para situá-los como identidades e não como categoria.

___ Como esse menino ou essa menina conseguiu aprender o que sabe hoje ?

___ Qual é o conhecimento que possuem ou que não estruturaram ? Para situá-- los como aprendentes e não como alunos .

Após estas perguntas iniciais, respondidas geralmente no processo de diagnóstico , seguem-se outras :

 ____ O que eu, como psicopedagoga, posso fazer para ajudar este menino ou menina ? Construindo, assim, meu próprio aprender sobre e com eles .

A partir daí, abrem-se as possibilidades de intervenção :

1- Diferenciando - tirando o sujeito do lugar do esteriótipo e tornando-o único a seus próprios olhos e aos de sua família e escola ;

2- Abrindo possibilidades de mudança - a partir da diferenciação , o sujeito, a família e a escola podem mudar sua maneira de atuar; O que vai repercutir na modalidade de aprendizagem;

3- Resgatando o prazer de aprender - fundamental para conectar a estrutura desejante e estruturar um corpo com possibilidades de aprendizagem;

4- Construindo juntos estratégias para o desempenho das funções de leitura e escrita

5- Oferecendo suporte tecnológico - para adequação das respostas do sujeito às necessidades de comunicação com o meio em que convive
Agindo desta forma, a Psicopedagogia tem ajudado muitos indivíduos com síndrome disléxica ou outras dificuldades , a resgatar sua autonomia, prazer e criatividade diante de situações de aprendizagem.

Júlia Eugênia Gonçalves - Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia da FEPESMIG-UEMG e professora do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia da UNINCOR



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