sábado, 7 de novembro de 2009

ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA GENÉTICA À COMPREENSÃO E SUPERAÇÃO DAS DIFICULDADES PARA APRENDER

                        
Não conseguem aprender por falta de instrumentos cognitivos que lhes possibilitem compreender o que a escola lhes propõe.
Um número muito grande de crianças apresenta dificuldades para aprender nas escolas que freqüentam. Encaminhadas para avaliação médica, neurológica, psicológica, não são encontrados problemas que justifiquem suas dificuldades.
A situação tem provocado a investigação e a pesquisa em muitas áreas do conhecimento científico. Médicos, neurologistas, psicólogos, lingüistas, cientistas sociais, pedagogos e psicopedagogos, se debruçam sobre o tema publicando um grande número de artigos a partir de diferentes referenciais teóricos.
Neste artigo procuraremos refletir sobre as contribuições da psicologia genética para compreender as dificuldades escolares, inserindo-as em um contexto mais amplo em que se possa estabelecer relações com outras formas de aproximação e contribuições de outras áreas da ciência.
Para tanto, torna-se necessário estabelecer o que compreendemos por "aprendizagem", distinguindo seus dois sentidos, "restrito" e "amplo".
Enquanto o termo aprendizagem, em sentido restrito refere-se às aquisições decorrentes de uma contribuição externa, aquisições que se relacionam a um conteúdo adquirido em função da experiência; em sentido amplo abrangeria a construção das estruturas cognitivas além da reorganização dos conhecimentos, realizada pelo sujeito nas interações com o objeto. Implica a aprendizagem em sentido restrito acrescida pelo processo de equilibração.
Utilizaremos aqui o termo aprender para nos referirmos ao processo de aprendizagem em sentido amplo. Neste processo, o conhecimento, construído na interação com o objeto, resulta de um processo adaptativo que se desenvolve no tempo em função da atividade do sujeito. Não procedendo nem de um, nem do outro separadamente, tem origem no ponto médio desta interação. Externo a ambos, dirige-se para cada um, construindo esquemas e estruturas no interior do sujeito, por um processo contínuo de reorganização cognitiva e possibilitando, na direção do objeto, a descoberta de suas propriedades e a construção das inter-relações entre elas. Pertencem a este último aspecto, a construção dos conhecimentos relativos às diferentes disciplinas escolares, áreas da ciência, bem como os conhecimentos necessários à vida cotidiana.
Desta forma, as dificuldades para aprender podem abranger tudo o que dificulta, emperra, desvia, deforma, a reorganização dos conhecimentos. Esta reorganização relaciona-se com a construção das estruturas no interior do sujeito e com as características do objeto e suas relações. Os fatores que prejudicam a reorganização podem ser agrupados em dois grandes grupos: dificuldades próprias do sujeito que aprende e dificuldades provocadas pelas circunstâncias familiares, escolares, sociais, que o envolvem.
É preciso, entretanto, compreender que os fatores do sujeito e os fatores circunstanciais estão de tal forma relacionados que não atuam separadamente, mas a influência recíproca entre ambos não permite determinar a causa primeira. Assim, encontraremos no meio em que a criança vive diversos motivos para se instalarem dificuldades que, a primeira vista, parecem próprias do sujeito e encontraremos, no sujeito, diversas características que propiciam a influência desta ou daquela circunstancia de seu meio.
Entre os fatores próprios do sujeito, mas que sofrem grande influência do meio em que se encontra, colocaríamos o atraso geral no desenvolvimento cognitivo, isto é, um atraso na construção de sua estrutura de conjunto, o que implicaria em um atraso na construção de todas as estruturas.
Como exemplo, lembraríamos as crianças com mais de 10 anos que não construíram, ainda, as operações concretas: não conservam quantidades, não incluem classes, não organizam séries com sistema. Não conseguem aprender por falta de instrumentos cognitivos que lhes possibilitem compreender o que a escola lhes propõe.
Outro fator de dificuldades, ligado ao processo de desenvolvimento cognitivo, pode ser encontrado em crianças com bom nível geral de desenvolvimento, mas com defasagem na construção de uma determinada estrutura, de uma operação específica, ou na construção do real.
Encontrei, certa vez, uma criança que quantificava a inclusão de classes, organizava uma série com sistema, estabelecendo relações de reciprocidade, mas que não havia construído a conservação das quantidades descontínuas. O desequilíbrio em sua estruturação cognitiva provocava dificuldades, especialmente em matemática e ciências. Conseguia ser aprovada por sua capacidade de memorização e mecanização de procedimentos, até o momento em que estes instrumentos deixaram de ser suficientes e acabou fracassando anos seguidos, sendo finalmente encaminhada para avaliação psicopedagógica.
Outra criança, aos sete anos, havia atingido um bom nível de estruturação lógico matemática e um discurso bem elaborado, mas apresentava um comportamento inconseqüente, sem planejamento e sem antecipação das conseqüências que seus atos poderiam provocar. Era, muitas vezes, surpreendida pelos acidentes provocados por suas próprias ações. Procedendo a avaliação psicopedagógica, foi constatado que, embora houvesse construído as conservações, classificações e seriações em nível acima do esperado para sua idade (operava ao nível dos agrupamentos de classes e relações), apresentava um grande atraso na estruturação do tempo e da causalidade.
Sem organizar o tempo, não estabelecia relações causais, não tirava proveito das experiências anteriores nem podia prever as conseqüências de suas ações. Mesmo após haver provocado algum acidente, nem sempre compreendia sua relação com o que havia feito antes. Sua desculpa constante: - "foi sem querer" parecia liberá-la tanto da responsabilidade como da reflexão. Como conseqüência, era estigmatizada pelos pais das outras crianças e continuamente afastada da convivência natural com estas, o que acentuava, ainda mais, suas dificuldades.
Acreditando existir uma causa orgânica, parcialmente determinada pelo ambiente, que provocaria os problemas para aprender, em crianças sem comprometimento físico "identificável" pela medicina atual, RAMOZZI-CHIAROTTINO (1984), apresenta uma categorização dos sujeitos de acordo com a importância dos comprometimentos. Para ela, quanto mais precoce é a falha, mais importante o comprometimento da criança, pois a representação do mundo, construída sem o apoio da organização do real, gera dificuldades para aprender, para conhecer e para organizar o discurso. Desta forma, embora determinadas por "... deficiências no aspecto endógeno do processo de cognição..." a natureza das dificuldades depende do meio e das possibilidades de ação nesse meio, "da insuficiência das trocas do organismo com o meio, num período crítico de zero a sete anos" (p.83).
Para organizar o real, isto é, entender as propriedades dos objetos, as regularidades da natureza, o alcance e os limites de suas ações, a criança precisa aplicar seus esquemas de ação ao mundo dos objetos e dos acontecimentos. Neste processo, diferencia-se dos objetos e se coloca como um objeto entre outros, inserindo-se no tempo e no espaço, percebendo as relações causais, distinguindo o real do faz de conta e das brincadeiras simbólicas.
Isto não acontece com as crianças mais comprometidas, grupo A, que desconhecem as regularidades da natureza, não possuem noção de tempo, espaço e causalidade, não conhecem os limites de suas ações, por não agirem sobre o meio e sobre os objetos. Em conseqüência, apresentam uma representação caótica do mundo e retardo na aquisição da linguagem. A falha na compreensão e produção da língua materna impede, por sua vez, a comunicação, agravando o problema.
Para superar estas dificuldades, as atividades de recuperação deveriam propiciar a construção e a coordenação dos esquemas motores, a interação com o meio para entender os limites de suas próprias ações, para diferenciar as propriedades dos objetos e perceber as regularidades da natureza. Deste modo, a criança poderia organizar a experiência em termos de espaço, tempo e causalidade, preenchendo uma importante condição para aprender a falar.
Um pouco menos prejudicadas, por serem capazes de falar, representar e operar, as crianças do grupo B construíram uma organização inadequada do real, Trata-se de crianças muito estimuladas para o conhecimento figurativo que, tendo construído a representação do mundo sem apoio nas próprias ações, confundem significado e significante, realidade e representação e não entendem os limites entre a realidade e a fantasia.
O processo de reeducação destas crianças deveria iniciar pela observação da natureza, seguida pela experimentação, para entender as relações repetitivas que nela ocorrem. Para representar o real, subordinando a representação às experiências, CHIAROTTINO propõe, em continuidade, solicitar o relato do que viu e do que realizou. Assim, a criança poderia organizar a experiência vivida, representá-la adequadamente e perceber as relações entre suas ações e o que acontece no mundo físico. Após a conquista do real, quando distinguir significado e significante, alcançará o jogo simbólico e a fantasia, sem confundi-los com a realidade.
O grupo C é constituído por crianças que organizaram adequadamente o real, mas não estruturaram suas representações em relação ao espaço, ao tempo e a causalidade. Representam, através de imagens, apenas a situação atual. Sem poder evocar o passado, seu discurso fica restrito ao presente, não tendo consciência de suas realizações.
Não chegam à identidade por falta de organização das representações e, assim, não estabelecem classes e séries que propiciariam a construção dos conceitos. Por falta de conceitos, não estruturam o discurso e apenas emitem raciocínios transdutivos , sem possibilidade de generalização, confundindo o indivíduo com a classe e vice-versa.
O processo de reeducação dessas crianças baseia-se na evocação de ações passadas para trazê-las ao presente, onde poderão ser estruturadas pelo estabelecimento de relações. A reconstituição possibilita a tomada de consciência daquilo que foi realizado, condição para operar, adquirir um conceito e expressar-se verbalmente.
Para a criança passar do nível da ação ao da compreensão, RAMOZZI-CHIAROTTINO (ib.) propõe como fases seqüenciadas e necessárias: estruturar o real, no nível das representações; organizar objetos para chegar às operações de classificação e seriação e buscar explicações para o mundo físico, para os objetos anteriormente estruturados ao nível da ação, isto é, voltar ao real e dar-lhe significado.
Neste processo, a criança supera a comunicação atual e concreta, chega a outra forma de comunicação, que implica a distinção entre significante e significado, passando do mundo real ao possível.
Finalmente, pertencem ao grupo D as crianças que não construíram as estruturas mentais, em nível adequado à solicitação imposta pela sociedade às pessoas de sua idade cronológica. Neste caso, não é possível falar em distúrbio dos mecanismos de aprendizagem e conhecimento, embora se caracterize um atraso no desenvolvimento cognitivo destas crianças. Muitas permanecem pré-operatórias ou iniciam a transição para o período operatório concreto apesar da idade e de freqüentarem classes mais adiantadas da Escola Fundamental. Assim, em função da falta das operações, podem vir a apresentar problemas para aprender, cujos indicadores seriam as insuficiências em suas produções escolares.
Diversos autores centram seus estudos nas crianças que não aprendem, apesar de não apresentarem motivos físicos detectáveis pela medicina atual, isto é, no grupo D caracterizado por RAMOZZI-CHIAROTTINO (1984). Dentre estes, MANTOVANI DE ASSIS (1976), DOLLE e BELLANO (1989-1996) e PALERMO-BRENELLI (1993), ZAIA (1996) para citar apenas alguns.
DOLLE, estabelece uma distinção entre os aspectos figurativos do conhecimento , relacionados a percepção e a imagem mental e os aspectos operativos, relacionados às transformações produzidas pelas ações físicas e mentais.
Tanto os aspectos figurativos como os operativos estariam sempre presentes em todos os níveis do desenvolvimento, mas com predominâncias que se alternam durante o processo. No início do período-operatório haveria uma dominância da figuratividade sobre a operatividade, sendo aquela superada, aos poucos, pela operatividade própria do período operatório concreto.
DOLLE relaciona as dificuldades para aprender, observadas nas crianças escolarizadas classificáveis no grupo D descrito por RAMOZZI-CHIAROTTINO, com a predominância da modalidade funcional figurativa do pensamento sobre a modalidade operativa.
Para ele, estas crianças encontram-se centradas nos estados em detrimento das transformações, presas às particularidades e à singularidade de cada configuração. Sem haverem construído convenientemente a representação, sem retroagir e antecipar, não dominam o passado nem o futuro.
Analisando o processo que conduz do predomínio da figuratividade ao da operatividade, DOLLE diferencia algumas fases seqüenciadas, relacionadas abaixo:
O inicialmente a criança fundamenta o conhecimento e seus argumentos nas constatações perceptivas baseadas na abstração simples ou empírica, isto é, na leitura da experiência realizada "aqui e agora", assim a criança acredita que a salsicha contém mais massa que a bola, "porque é mais comprida" ou o frasco mais alto contém mais água "por que está mais alta";
O mais tarde, quando a evocação se torna possível, passa por três subfases, nas quais, de início (a) evoca o estado inicial diante do estado atual do dispositivo dizendo, por exemplo, "por que era a mesma bola", "porque era igual"; depois (b) evoca a transformação que conduz ao estado inicial, apenas nomeando-a, sem propor a inversão "por que tínhamos colocado o mesmo tanto", "porque quando colocamos em fila, eram iguais" e, finalmente (c), evoca a transformação que conduziu ao estado final, "porque você só esticou", "por que você mudou o copo" ;
O chegando à transição entre a figuratividade e a operatividade, a criança propõe uma transformação do elemento testemunha, mas no mesmo sentido da transformação realizada com o outro elemento, "se fizermos a bolacha (com a bola padrão) fica igual", "eu posso fazer o mesmo com as minhas fichas (elementos testemunha)";
O finalmente, quando a operatividade começa a prevalecer, a criança propõe uma transformação do elemento modificado, no sentido inverso ao da transformação observada. Essa transformação é, inicialmente, expressa no tempo presente "se fizermos a bola com a salsicha, fica igual", "se voltar para aquele copo, a altura da água é a mesma" para, somente mais tarde, ser expressa no condicional e assumir o caráter de necessidade, "se fizéssemos uma bola novamente, ficariam iguais".
BELLANO, no mesmo livro, propõe uma adaptação do método clínico-crítico de PIAGET às especificidades da elaboração de um diagnóstico, denominando-o "exame operatório". Este permite buscar, no sujeito psicológico concretizado no paciente, tanto o nível de construção das estruturas operatórias e de elaboração de espaço, tempo, acaso e causalidade, como o próprio funcionamento dos processos de pensamento, como veremos a seguir em suas próprias palavras:
"Se agora nos preocupamos em proceder ao diagnóstico do sujeito concreto, em relação àquilo que sabemos do sujeito epistêmico, procedemos metodologicamente da mesma forma que em situação experimental. Mas as observações que recolhemos sobre as modalidades estruturais e funcionais da criança, servem tanto para compreendê-la e para revelar setores de sua atividade onde se manifestam alguns retardos, ausências estruturais ou déficits, etc., (...) quanto para recolher indicações indispensáveis para proceder as terapias posteriores..." (pp. 115 e 116).
Para superar as dificuldades, BELLANO propôs diversos exercícios terapêuticos, cujo objetivo seria ajudar as crianças ancoradas na figuratividade a buscarem a superação de suas dificuldades, pelo confronto com as insuficiências dos procedimentos que utilizam.
Os primeiros exercícios terapêuticos seriam escolhidos em função das lacunas encontradas no funcionamento das estruturas cognitivas da criança. Os seguintes, em função dos progressos, da estagnação ou das incertezas, observados ao longo da própria terapia.
Ressaltando "a importância das sugestões formuladas pelo psicólogo e, em seguida, as respostas das crianças" (ib., p. 123), BELLANO explicita que as sugestões e a experimentação, que lhes dão seqüência objetiva, permitem a descentração do pensamento, o estabelecimento de um conflito cognitivo e a tomada de consciência da pertinência ou da incoerência das suas próprias idéias.
Ainda na perspectiva do sujeito mas, de certa forma, mais relacionada às circunstâncias que o envolvem, as lacunas nos conhecimentos anteriores podem provocar dificuldades para aprender.
Para VINH-BANG (1990) as insuficiências individuais nas produções escolares, relacionadas a um conteúdo específico, poderiam ser provocadas ou por lacunas nos conhecimentos anteriores ou por dificuldades do professor no que diz respeito à disciplina em questão, enquanto as dificuldades relacionadas a vários conteúdos podem ser resultantes de lacunas na aquisição desses conhecimentos ou de um atraso no desenvolvimento cognitivo.
Analisando insuficiências nas produções escolares de muitas crianças, VINH-BANG propõe a utilização de um processo de intervenção psicopedagógica adaptado às dificuldades e suas possíveis causas. Daí a necessidade de analisá-las cuidadosamente.
"A questão que deveria ser imediata é aquela de saber por que elas são insuficientes. Não se trata simplesmente de avaliá-las com relação a uma norma exterior. É preciso diagnosticar a insuficiência e determinar os contingentes que concorreram para produzi-la."
O autor, propõe quatro etapas sucessivas a serem observadas nesse processo: constatação, conscientização, compreensão e remediação das insuficiências. Essas insuficiências seriam indicadas pelos erros das crianças.
Considerando importante determinar a abrangência dos erros, classificou-os como erros individuais, relacionados a um conteúdo específico; individuais, relacionados à várias disciplinas; coletivos, relacionados a um conteúdo específico e coletivos, relacionados a vários conteúdos. Todos podendo situar-se em qualquer etapa do processo, desde a apreensão do problema, coleta, organização e mobilização das informações pertinentes, andamento de uma rotina, até a aplicação de uma forma de raciocínio. A análise da situação em que ocorrem, e da sua natureza, possibilita não apenas compreender o insucesso como a sua superação.
Tratando-se de erros individuais, o processo terminaria pelo preenchimento de lacunas de conhecimento e/ou recuperação do atraso no desenvolvimento do aluno. No caso de erro coletivo, de uma classe por exemplo, seria necessário apreender o sentido e o alcance dos insucessos para o professor poder reajustar sua prática pedagógica e adaptar o conteúdo aos seus alunos. Há, ainda, a inadaptação escolar em geral, cujas causas, a serem pesquisadas, estariam tanto no aluno que se adapta mal às exigências escolares, como na escola e no ensino que não se adaptam ao estudante.
A intervenção teria o objetivo de propiciar o desenvolvimento dos instrumentos de pensamento. Seja propiciando a superação de um atraso geral no desenvolvimento do sujeito, seja para superar um atraso restrito a um aspecto do conhecimento ou para propiciar a construção dos conhecimentos lacunares que dificultam ou impedem outras aquisições.
A assessoria à instituição e a orientação ao professor, teriam como objetivo a tomada de consciência das circunstâncias que dificultam a aprendizagem e a sua superação, a reflexão e transformação da prática pedagógica e a adaptação dos conteúdos à necessidades e possibilidades dos alunos.
O Laboratório de Psicopedagogia do Instituto de Psicologia da USP _ LaPp, atende aos alunos do primeiro grau e aos profissionais da Educação, desenvolvendo atividades e utilizando jogos de regras como material de trabalho e instrumento desencadeador de tematizações e análises em duas áreas: psicopedagogia e aprendizagem escolar .
O jogo e as intervenções adequadas convidam a criança e o adolescente a refletir sobre o material, suas próprias estratégias, as possibilidades abertas por elas, os erros e suas conseqüências. No que diz respeito ao professor, propiciam a reflexão, a análise, a reavaliação da postura profissional, abrindo-lhe a possibilidade de utilizar jogos como instrumento de trabalho.
Para Petty (1995) o jogo de regras assume seu lugar na pedagogia e na psicopedagogia, com a vantagem de atuar "no âmbito das atitudes (organização, atenção, auto-estima, disciplina, etc.,) e do desenvolvimento do raciocínio (interpretação de informações, busca de soluções, levantamento de hipóteses, análise e superação de erros etc.).", (p. 124)
Macedo (1996), referindo-se ao trabalho desenvolvido no LaPp, descreve as mudanças de atitude decorrentes do desenvolvimento do trabalho com jogos. Inicialmente, as crianças apresentam condutas inadequadas à atividade proposta "...um comportamento duvidoso, errático, desesperançado, sem projeto, o qual indica um presente que apenas conhece a atenção fugidia e o gozo imediato, sem muito trabalho ou empenho"(p. 180). Quando jogam, tomam decisões precipitadas, sem articular as jogadas, sem obedecer as regras, sem considerar as possibilidades do adversário. Aos poucos, vão apresentando maior concentração, diminuem as conversas sobre assuntos alheios ao jogo, as brigas, as saídas da sala etc., conseguindo maior concentração, possibilidade de antecipar situações e planejar estratégias.
Atribuindo aos jogos o papel de desencadear os mecanismos de regulações compensatórias, que propiciam a construção de novas estruturas e novos procedimentos, PALERMO BRENELLI (1993), desenvolveu uma pesquisa para verificar a influência de atividades realizadas com os jogos Quilles e Cilada, sobre o desenvolvimento operatório e sobre a compreensão de noções aritméticas por crianças, de 8 a 10 anos, com dificuldades de aprendizagem.
Segundo BRENELLI, as modificações das ações nos jogos de regras dependem da compreensão. Assim, o papel da intervenção seria propiciar a passagem do fazer para o compreender, possibilitando lidar operatoriamente com as transformações, retroações e antecipações, auxiliando a criança a superar suas limitações nos aspectos figurativos do julgamento.
Introduzindo perturbações que desencadeassem o processo de equilibração e abstração reflexiva, propiciou a tomada de consciência das estratégias utilizadas pelos sujeitos, tanto no decorrer das partidas, como nas atividades lúdicas desenvolvidas a partir dos mesmos jogos.
Analisando os processos de reflexão, generalização, contradição e tomada de consciência, subjacentes ao ato de aprender, bem como a construção das relações de possibilidade e necessidade, a autora demonstrou que a causa dos progressos não foi o jogo, mas a ação de jogar em interação com a pesquisadora, cujo papel era o de propiciar outras atividades relacionadas ao contexto lúdico do mesmo, solicitando a descrição, a antecipação, a explicação e a representação das estratégias e do resultado de determinadas jogadas.
ZAIA (1996) obteve resultados semelhantes, trabalhando com oito crianças de 11 a 13 anos que freqüentavam o PRODECAD pela manhã e classes de 2ª a 4ª séries na escola regular, no outro período. Tratava-se de crianças cujas características se aproximavam muito dos grupos C e D, da categorização apresentada por RAMOZZI - CHIAROTTINO, que apresentavam procedimentos próprios dos níveis pré-operatórios ou início da transição para o período operatório concreto.
Estas crianças haviam desenvolvido sentimentos negativos em relação à escola. que não atendia suas necessidades, colocando exigências muito acima de suas possibilidades e sem lhes proporcionar as condições necessárias para satisfazê-las.
Sua situação era agravada por serem alvo constante de caçoadas e discriminação. Um forte sentimento de fracasso e inadequação às exigências institucionais parecia influenciar negativamente o conceito que possuíam de si mesmos e de suas próprias possibilidades.
Para superar esta situação, foi preciso trabalhar a qualidade das interações estabelecidas entre os parceiros, no sentido de estabelecer relações de respeito mútuo; propor atividades diferentes daquelas desenvolvidas pela escola, que fossem, ao mesmo tempo, desafiadoras e possíveis de serem realizadas por eles, para que pudessem se perceber como pessoas capazes; criar um ambiente sócio-afetivo, no qual o poder do adulto fosse diminuído e as crianças se sentissem seguras para expor suas idéias, realizar ações, fazer tentativas, errar.
Para propiciar o desenvolvimento cognitivo e a estruturação do real, o Processo de Solicitação do Meio foi adaptado às possibilidades, necessidades e interesses das crianças de sua idade.
Dentre as características que diferenciam este processo de intervenção psicopedagógica, podemos apontar a predominância do trabalho em pequenos grupos, com atividades diversificadas; a possibilidade da criança freqüentar ou não as sessões e de escolher entre o trabalho individual e o trabalho em grupo; a possibilidade constante de realizar escolhas, pela quantidade de atividades e jogos disponíveis em cada sessão; a utilização de atividades desafiadoras e jogos de regras para resgatar a construção das estruturas operatórias e a possibilidade de aprender.
Ao longo do processo, foi possível acompanhar o desenvolvimento cognitivo e social das crianças e as transformações na relação estabelecida com a instituição, com as professoras e os colegas no PRODECAD. Conforme relato das professoras, estas crianças começaram a estabelecer relações menos agressivas com as outras, a ser respeitadas pelos colegas, integrando-se um pouco melhor ao grupo-classe. No final do ano letivo todos os sujeitos foram promovidos na escola regular.

Lia Leme Zaia - Coordenadora do Curso de Especialização em Psicopedagogia na F.F.C.L. de São José do Rio Pardo, Pedagoga e Psicopedagoga, Doutora em Psicologia Educacional pela FE-UNICAMP, Membro do Laboratório de Psicologia Genética - FE - UNICAMP.
















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